
O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, nesta quinta-feira (26), por 8 votos a 3, uma medida polêmica e sem precedentes: a obrigatoriedade de plataformas digitais removerem, de forma imediata, conteúdos classificados como “condutas antidemocráticas” — mesmo sem necessidade de ordem judicial.
A tese, que agora se torna diretriz para casos semelhantes, coloca o Brasil como o primeiro país do mundo onde o próprio Judiciário decide e impõe regras para o controle do discurso nas redes, sem passar por qualquer debate legislativo ou aprovação no Congresso.
Com a decisão, redes sociais como Instagram, YouTube, X (ex-Twitter), TikTok e outras poderão ser civilmente responsabilizadas caso mantenham esse tipo de conteúdo no ar e não adotem mecanismos preventivos de detecção e remoção. As punições vão desde multas até outras sanções não especificadas.
Censura algorítmica e subjetividade jurídica
A medida acendeu um sinal vermelho entre juristas, especialistas em liberdade de expressão e representantes do setor de tecnologia. Um dos pontos mais criticados é a amplitude do conceito de “conduta antidemocrática”, que não foi delimitado de forma clara.
O professor de Direito Civil da Universidade de Pernambuco, Venceslau Tavares Costa Filho, alerta para o risco de subjetividade extrema. “É muito aberta a ideia de postagem que ‘atenta contra o Estado Democrático’. Por exemplo, um post de 2015 pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff, ou um artigo defendendo a saída de Collor: seriam conteúdos antidemocráticos? Isso é muito subjetivo”, afirmou.
Com essa brecha interpretativa, o medo é que as plataformas adotem uma autocensura generalizada, excluindo preventivamente qualquer conteúdo que possa ser mal interpretado. “As redes deverão criar critérios internos para a remoção das postagens e até treinar algoritmos para reconhecer o tipo de publicação que não deve ser admitida”, completou o professor.
Inteligência Artificial como guardiã do discurso
A decisão ainda joga um novo protagonismo nas mãos da inteligência artificial, que deve ser o principal filtro para identificar publicações “problemáticas”. No entanto, como os parâmetros são vagos, especialistas acreditam que o uso de IA vai acabar promovendo uma censura algorítmica silenciosa, onde até opiniões legítimas podem ser apagadas “por via das dúvidas”.
Essa preocupação também foi ecoada pelo presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, que lamentou a nova responsabilidade imposta pelo STF:
“As plataformas vão ter que preventivamente remover qualquer conteúdo que seja potencialmente questionável para evitar uma responsabilização ou um passivo financeiro”, afirmou em entrevista ao UOL.
Judiciário no controle das redes: um caso único no mundo
O Brasil agora assume um papel inédito no cenário global: o de único país onde o Judiciário regula diretamente o conteúdo nas redes sociais. Nem mesmo em regimes autoritários como a Venezuela — onde o Executivo controla o Congresso — se viu algo parecido. Lá, pelo menos, as regras passaram por processo legislativo formal, ainda que simbólico.
No Brasil, a Corte Suprema decidiu por conta própria, sem qualquer mediação política, assumir o controle do que pode ou não ser dito nas plataformas digitais. Um marco jurídico controverso que, para muitos, inaugura uma nova era de controle do discurso público, ainda sem previsão clara dos seus limites e efeitos práticos.
A pergunta que paira no ar agora é: quem define o que é antidemocrático? E com base em que critérios?
Seja qual for a resposta, o Brasil entra, a partir de agora, num território delicado onde o risco de censura prévia e limitação do debate político se torna uma realidade.
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